Na noite de sábado, a livraria Bookmarks, no centro de Londres, um dos principais pontos do movimento socialista e sindical na Grã-Bretanha, foi invadida e atacada por manifestantes com cartazes do ALT Right ( A nova extremana direita), usando máscaras do Trump e bonés com a frase “Make Britain Great Again” (Façam o Reino Unido grande de novo).
 

Os mesmos slogans haviam sido exibidos horas antes em um protesto convocado em apoio aos conspiradores de extrema-direita e aos vendedores de suplementos alimentares da InfoWars (Canal americano que espalha notícias da mesma maneira que o MBL faz no Brasil e que lucra com a venda de suplementos alimentares), devido a reclamações de censura que o Facebook e o Youtube supostamente cometeram (também como o MBL rs). O organizador do protesto, Luke Nash Jones, posteriormente enviou um vídeo de agradecimento no Facebook no qual ele elogiou o “alto nível” do debate, repetindo as teorias de conspiração de quinta sobre “marxismo cultural” de Gramsci e Lukács.

 

O ataque a livraria provocou uma ira imediata de condenação nas mídia social, com os usuários fazendo comparações com a queima de livros nazistas – rituais de intimidação realizados pela Juventude Hitlerista contra visões políticas opostas e influências corruptoras. As queimadas nazistas levaram as chamas vários escritos comunistas, pacifistas e judáicos; também levou a destruição dos arquivos do pioneiro Instituto de Sexologia, que defendeu, entre outras coisas, os direitos dos homossexuais. O trabalho de Karl Marx estava entre os primeiros daqueles consumidos pelas chamas. Este ataque estave um pouco distante disso, sua brutalidade inepta e gritos histéricos contra o único funcionário da loja estavam longe das grandes fogueiras de Bebelplatz, mas estava enraizada no mesmo instinto da extrema direita de suprimir pontos de vista políticos concorrentes e intimidar minorias.
 

Houve sinais de alerta da renovação e transformação da extrema direita britânica por algum tempo: de atos esporádicos de violência planejadas por ‘lobos solitários’ fascistas Thomas Mair que assassinou o membro trabalhista do parlamento Jo Cox  ou o plano mal sucedido de atacar um evento em comemoração ao orgulho gay em Cumbria com um facão – até a mais recente demonstração de apoio da ultra direita e do EDL à Tommy Robinson, que se encontra preso  ao atacar um grupo de sindicalistas com outros fascistas. Sem a organização política de seus antepassados, essa nova extrema-direita se dissemina pelas mídias sociais e pelo YouTube, confundem clichês ultrajantes sobre o campo liberal, de esquerda e com questões sociais, afirmando que fala por aqueles “deixados para trás”.

 

No entanto, em suas manifestações de rua onde entre rostos mais novos pode-se reconhecer ocasionalmente a velha mão do Partido Nacionalista Britânico (BNP),  ataques como este mostram seu rosto comum. Mas as mudanças são tão significativas quanto as continuidades. Enquanto o fascismo sempre teve uma dimensão internacional, com versões nacionais da Falange à União Britânica de Fascistas assentindo respeitosamente uns nos outros, a nova extrema direita tem uma dimensão fortemente internacional incluindo um grupo de líderes vagamente inter-afiliados, angariação de fundos internacionais, recursos e um novo universo de mídia compartilhada: o Breitbart e outras dezenas de canais do YouTube. Criando assim uma visão, por exemplo, de manifestantes ingleses defendendo uma teoria da conspiração sobre o veto a um podcast de cunho violento e disseminador de fake news pela Spotify, em um protesto em frente a sede da BBC.

Há duas consequências para isso: primeiro, a intensificação de uma guerra cultural latente no Reino Unido, com líderes e influenciadores adotando pontos de vista americano quando falam a respeito do liberalismo, da censura à esquerda e uma obsessão maníaca com a liberdade de expressão. Para colaborar com tudo isso há ainda os fatores das condições locais: a exploração de escândalos, a bipolarização e uma culpabilização dos imigrantes e refugiados em consonância com a direita europeia. Mas não é por acaso que o guru fascista internacional Steve Bannon foi gravado cantando louvores a Tommy Robinson recentemente: ele é uma parte importante da tentativa de Bannon para desenvolver uma rede internacional de apoio mútuo para a ideologia de extrema-direita, por isso, esse pequeno aumento do interesse dos EUA e da Austrália sobre o caso da prisão de Robinson.

 

A segunda consequência é mais difícil de ver a princípio: se esta rede Bannonita significou a importação de preocupações americanas para o discurso britânico, seu modelo organizador também apresenta alguns novos desafios. O fascismo britânico tipicamente se organizou não apenas com líderes fortes, mas com vozes intermediárias e organizadas, mas abaixo na hierarquia – isso era verdade para os fascistas de Mosley, a Frente Nacional e o BNP. A estratégia bannonista da nova extrema-direita depende de dois pontos: o uso de novas mídias para falar “diretamente” aos consumidores digitais e a penetração de vozes de extrema-direita proeminentes nas antigas instituições da imprensa e da política. Embora isso produza uma impressão de força e capacidade súbitas, na verdade significa que os ‘movimentos’ são centrados em um pequeno conjunto de indivíduos e demonstrações sem atividade local nem formação ideológica – o que significa que os laços da maioria de seus fãs (pois é isso que são) são fracas e frágeis.

 

Vale a pena mencionar que essa estratégia não funcionaria se não houvesse instituições dispostas a dar uma carona a nova direita ou fascinadas pelo que consideram ser uma “autêntica” (frequentemente um eufemismo para racistas) voz britânica. A recente entrevista bajuladora da BBC com o editor do Breitbart, Raheem Kassam, por exemplo, não mencionou sua afiliação ao EDL nem desafiou nenhuma de suas afirmações sobre a recente libertação de Tommy Robinson da prisão. Será que a esquerda conseguiu um caminho mais simples? Como a maioria dos movimentos ultraconservadores e fascistas, o EDL, especialmente em sua nova encarnação Bannonista, desenvolve uma sensação de vazio, vitimizado por forças poderosas como o Estado que desapropria seus direitos naturais – e foi isso que tornou a prisão de Robinson um benefício para a construção do movimento. Também deve nos tornar cautelosos com as abordagens ou proibições judiciais lideradas pelo Estado, pois elas alimentam apenas aquela sensação de vitimização.

Como, então, combatê-lo? Devemos olhar para a história da extrema direita e do antifascismo no Reino Unido para aprender algumas lições, mas também nosso histórico de comportamentos culturais em situações diferentes. Por exemplo, a velha tática antifascista de não plataforma, que consiste em não permitir que organizações fascistas tenham acesso ao espaço público para se organizar e disseminar suas ideias. Essas raízes são traçadas por Evan Smith visando impedir a legitimação de vozes fascistas por sua não inclusão no debate  e surgiu em um contexto no qual os simpatizantes da Frente Nacional regularmente atacavam reuniões de esquerda e comícios, enquanto pediam intervenções mais duras e mais fortes do estado contra sindicalistas de esquerda e militantes. Em tal contexto, incluindo tentativas da Frente Nacional de marchar através de áreas predominantemente de imigrantes, a força física antifascista, do confronto direto ao bloqueio em massa, é uma necessidade. Na década de 1970, em Lewisham e Wood Green, tal confronto em massa foi vital para romper a Frente Nacional e atividades antifascistas similares em Tower Hamlets e Westminster em 2013 mostram que tais métodos continuam sendo uma parte vital da luta.

 

Podemos aprender muito com as lutas bem-sucedidas dos anos 70 e 80, porém muita coisa também mudou desde então. Embora a liberdade de expressão sempre tenha sido invocada pela extrema direita e seus idiotas úteis na imprensa para proteger suas tentativas de organização, ela agora é praticamente o lema deles. Uma estratégia antifascista contemporânea precisa enfrentar isso de frente. Isso significa lutar contra o insípido clichê jornalístico dos “extremismos duplos” (como Thatcher fez em 1974, proclamando o fascismo e o comunismo como os respectivos pés direitos e esquerdos do socialismo), mas também reivindicando a liberdade de expressão – uma liberdade que se originou da pressão por garantias de criticar livremente o despotismo e a tirania como parte necessária de uma política radical de esquerda.

 

Os fascistas não precisam mais de reuniões físicas para organizar ou espalhar propaganda. A transformação da tecnologia nas comunicações significa que a esquerda deve explorar essas comunicações digitais tão efetivamente quanto a direita, incluindo conectar nossa política a um sistema ético mais amplo e abrangente que reúna toda a sociedade em vez de discussões ocasionalmente áridas sobre a economia. Se a estratégia bannoniana envolve novos meios de comunicação, então também é necessária adesão à crítica institucional dos principais atores políticos e da imprensa, desde do fascinado aristocrata da BBC, divulgação de fatos que revelem comportamentos fascistas da direita conservadora, críticas em massa a grandes instituições, disposição para argumentar contra a legitimação delas ampliando seus argumentos diante de outros públicos.

 

Os antifascistas frequentemente discutem se é o confronto direto ou a construção de movimentos de massa de oposição – através da cultura e nas ruas – que importa mais na derrota de surtos fascistas anteriores. Na verdade, ambos eram partes necessárias de um movimento mais amplo. Os neofascistas dos anos 70, como os de hoje, alimentavam-se da insegurança econômica e cultural, além de estimular o temor de um governo de esquerda que era escravo da militância sindical. Apenas um movimento  amplo, focado não apenas no confronto, mas articulando uma política transformadora sem medo de oferecer respostas diferentes, evitando a triangulação e as políticas ruinosas de pureza, que nos permitirão enfrentar essa frente ultra direitista.

 

Texto original da Novara Media

https://novaramedia.com/2018/08/07/bookshops-bannon-and-the-fight-against-fascism/http://harvardpolitics.com/united-states/how-insulin-became-unaffordable/

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