Muito tem se falado ultimamente sobre a ideia/projeto “Escola Sem Partido”, onde, segundo seus defensores, tem por objetivo “inibir a prática da doutrinação política e ideológica em sala de aula e a usurpação do direito dos pais dos alunos sobre a educação moral dos seus filhos”.

Entendem que, grosso modo, os professores e professoras em sala de aula supostamente estariam impondo suas próprias ideologias com viés mais à esquerda do espectro político aos alunos, aproveitando-se da chamada “plateia cativa”. E isto estaria “cooptando” jovens para suas organizações de militância política e esta prática teria que ser combatida.

Não vou me ater aos aspectos educacionais e pedagógicos atinentes à este Movimento, pois já existem diversos artigos e reportagens a respeito (criticando e defendendo), mas algo nisso tudo também chama muito a atenção, e é aí que mora a ilegalidade: A ação para denunciar “professores doutrinadores”, que supostamente abusariam da liberdade de cátedra.

Na página do Movimento na internet, há um campo chamado “Enviar Denúncia”, cuja função é receber vídeos, fotografias e a descrição do acontecido em sala de aula. Alunos e alunas são incentivados a filmar e fotografar a aula do professor e enviar o material para o site. Ocorre que tal prática de filmar professores em sala de aula sem sua prévia autorização e compartilhar em grupos é ilegal.

Isto porque cada pessoa possui o direito à imagem, voz e honra protegidos pelo nosso ordenamento jurídico, como um direito fundamental e inalienável. É necessária a autorização da pessoa filmada/fotografada, ainda mais se tratando de um ambiente fechado, restrito à quem lá está, diferente de uma pessoa manifestando-se numa passeata em via pública ou comemorando o gol de seu time num estádio lotado com transmissão televisiva.

A Constituição Federal, no art. 5º, inciso X, diz que:

“São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”;

E ainda, o Código Civil afirma, em seu art. 20:

Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”

Assim, a legislação brasileira quis proteger acima de tudo, a dignidade da pessoa humana e o modo como o restante da sociedade enxerga e percebe aquela pessoa em sua reputação, a chamada “Honra Objetiva”.

Ou seja, filmar e fotografar o professor com câmeras de celulares, sem autorização, viola frontalmente seu direito à imagem, e ainda, divulgar esta imagem imputando-lhe uma conduta supostamente reprovável e nociva a crianças e adolescentes fere sua honra objetiva. Em que pese a escola ser considerada um local de acesso público com restrição ou apenas acessível ao público mediante horários determinados (se for escola privada), ela não é como uma rua ou uma praça ou parque. É um local fechado com objetivo específico de ensinar e aprender determinados conteúdos, como numa palestra num clube ou casa cultural, por exemplo.

Tratando-se especificamente de aulas cotidianas ministradas em ambiente escolar, não há pertinência, tampouco conveniência ou relevante interesse público em divulgar a imagem com juízo de valor e teor denuncista/alarmista sobre o professor em redes sociais, aplicativos de conversa e websites, portanto tal prática é ilegal e sujeita a pessoa e/ou seus responsáveis às respectivas sanções legais, como indenização por danos morais e outros danos que por ventura ocorrerem. Caso haja excesso ou atos fora da curva, há canais específicos dentro da própria estrutura educacional para que se resolva a questão.

Além disso, a aula ministrada pelo professor é protegida por direitos autorais, sendo vedada sua reprodução não-autorizada por ele. A Constituição Federal, no art. XXVII diz que:

“aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”;

O objeto da proteção conferida pelo Direito de Autor é a obra intelectual. A Lei 9.610/98, que regula o assunto no Brasil lista algumas obras, a título de exemplo, no art. 7º:

São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: […]

I – os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;

II – as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;

Portanto, a aula é uma criação intelectual do professor, protegida pelo Direito de Autor, para ser usufruída em determinado ambiente e sob determinado contexto para os alunos, que, devidamente autorizados, podem tomar nota do conteúdo fornecido em seus cadernos (ou tablets/notebooks). Até mesmo a exceção à regra, calcada no art. 46, inciso IV, desta Lei proíbe a publicação das aulas sem a autorização do professor. Vejamos:

Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:

[…]

IV – o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e expressa de quem as ministrou;

Importante lembrar que tal autorização deve ser prévia e expressa, conforme diz o art. 29 desta Lei:

Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

I – a reprodução parcial ou integral;

Então já sabemos que se não há autorização tácita, é preciso que o professor diga com todas as letras que autoriza que se filme a imagem, fala e a fotografia da lousa escrita, caso contrário este ato certamente irá ferir seus direitos autorais. Entretanto, é preciso saber no que consiste a chamada “Reprodução”. A Lei define logo no início, senão vejamos:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, considera-se:

[…]

VI – reprodução – a cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou científica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido;

E logo abaixo:

VII – contrafação  a reprodução não autorizada;

A captação e armazenamento das aulas em dispositivo eletrônico e sua posterior disseminação sem a devida autorização do professor constituem uma Contrafação, prática absolutamente vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Ainda que se utilize o argumento de que as filmagens e fotografias são apenas para obter prova para instruir processo judicial ou administrativo, não se pode cometer um ato ilícito para basear eventual e incerto pedido de indenização.

Ademais, a Lei discorre sobre as sanções às quais estão sujeitos aqueles que violarem direitos autorais, a partir do art. 101, que afirma:

“As sanções civis de que trata este Capítulo aplicam-se sem prejuízo das penas cabíveis”.

As penas cabíveis que ela se refere está no art. 184 do Código Penal, vejamos:

Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

Ainda, o art. 102 da Lei de Direitos Autorais é categórico:

O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada, poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível”.

Sendo menor de idade a pessoa que comete tais violações, quem responde por eventuais danos são os pais e/ou responsáveis, conforme os Arts. 932 e 933 do Código Civil. Vejamos:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

Por fim, vale colocar aqui a expressão máxima do Estado Democrático de Direito, calcada no Art. 5º, IX da Constituição Federal:

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

Portanto, sob a ótica do Direito de Autor e também do Direito de Imagem, é totalmente revestido de ilegalidade tal prática estimulada pelos entusiastas do movimento ESP, porquanto fere o direito de imagem, honra e direitos autorais do professor.

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Adriano Souza Silva é advogado, especialista em Direitos Autorais, palestrante, articulista, pós-graduado em Gestão Cultural pela Universidad Nacional de Córdoba (Argentina), ex-diretor geral da Associação Amigos do Patrimônio e Arquivo Histórico de Guarulhos e pai do Ariel.